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Foto do escritorDr Alexandre Tavares

Sono nas principais doenças neurodegenerativas





As doenças neurodegenerativas são caracterizadas por perda de neurônios no sistema nervoso e pelo depósito anormal de proteínas (ex: alfa sinucleina fosforilada, tau, beta amiloide, ataxinas) nas células sobreviventes.

Algumas doenças têm causa desconhecida e são esporádicas (ex: demências dos corpos de Lewy, atrofia de múltiplos sistemas, paralisia supranuclear progressiva) enquanto outras são hereditárias e carregam anormalidades genéticas (Ex.: ataxias espinocerbelares e doença de Huntington). Em algumas doenças a apresentação de causa desconhecida é a mais comum, mas formas genéticas também são relatadas (Ex: doença de Alzheimer, doença de Parkinson e esclerose lateral amiotrófica).

A origem da maioria das doenças neurodegenerativas ainda é incerto. Manifestam-se com um início insidioso e um curso progressivo de uma variedade de sinais e sintomas neurológicos incapacitantes, como demência, parkinsonismo (tremor, lentidão, rigidez, desequilíbrio postural e de marcha), fraqueza muscular, incoordenação, dificuldades de deglutição e de fala, movimentos anormais, entre outros.

Os distúrbios do sono que ocorrem nas doenças neurodegenerativas são: insônia (dificuldade em iniciar o sono, fragmentação do sono, despertar precoce pela manhã), sonolência diurna excessiva, alterações do ritmo circadiano, distúrbio comportamental do sono REM, movimentos periódicos de membros do sono, Síndrome das pernas inquietas, apnéia do sono obstrutiva ou central e estridor noturno.

Alguns destes distúrbios do sono podem ocorrer antes dos sintomas que definem o diagnóstico da doença. Por isso, é de suma importância identificá-los, para a implementação de medidas neuroprotetoras.

Sono e doença de Parkinson

A doença de Parkinson é caracterizada por parkinsonismo causado por neurodegeneração da substância negra. Os neurônios sobreviventes mostram inclusões citoplasmáticas chamados de corpos de Lewy e neurites de Lewy, onde depósitos anormais de alfa-sinucleina são os principais componentes. Os pacientes com doença de Parkinson também manifestam sintomas não motores, como depressão, demência e distúrbios do sono, que são o resultado do processo neurodegenerativo ocorrendo em estruturas neuronais e vias neuronais fora da substância negra. A origem dos distúrbios do sono na doença de Parkinson são multifatoriais e incluem: neurodegeneração de regiões reguladoras do sono, o envelhecimento, presença de sinais e sintomas da doença que afetam o início e a continuidade do sono (Ex: parkinsonismo com dificuldade de virar na cama, vontade de urinar várias vezes à noite, dor, depressão, demência, alucinações noturnas) e o efeito de alguns medicamentos (agentes dopaminérgicos, antidepressivos e antipsicóticos).

Na fase prodrômica da doença de Parkinson (vários anos antes do parkinsonismo aparecer) podem ocorrer redução do olfato, depressão, constipação e distúrbios do sono (principalmente distúrbio comportamental do sono REM, e possivelmente sonolência excessiva diurna). Isto se correlaciona com o depósito de alfa sinucleina no sistema nervoso autônomo periférico e na parte inferior do encéfalo, antes de atingir a substância negra no mesencéfalo. O distúrbio comportamental do sono REM é uma parassonia caracterizada por comportamento motor e vocal alterado (empurrões, chutes, gritos, choros, risos) e sonhos desagradáveis (sendo atacado ou perseguido por alguém) ocorrendo durante o sono REM sem o relaxamento muscular (atonia). O diagnóstico é baseado na história clínica e na polissonografia. Este distúrbio é o resultado da disfunção de estruturas da parte mais inferior do encefálo, que regulam o relaxamento muscular durante o sono REM. Estudos longitudinais realizados em centros de estudos de sono mostraram que a maioria dos indivíduos com distúrbio comportamental do sono REM sem causa definida eventualmente desenvolvem os sinais característicos da doença de Parkinson e de duas outras doenças de depósito anormal de alfa sinucleina: demência de corpos de Lewy e atrofia de múltiplos sistemas. E o risco de conversão de distúrbio comportamental do sono REM sem causa definida para estas doenças, aumenta com o tempo de acompanhamento destes indivíduos.

Na doença de Parkinson os distúrbios do sono são uma das mais comuns manifestações não motoras da doença, afetando de 60 a 90% dos pacientes. A sua frequência aumenta com a gravidade da doença. A insônia é a queixa relacionada ao sono mais comum na doença de Parkinson de causa desconhecida. Em um estudo envolvendo 689 pacientes com doença de Parkinson, 81% relatou sono interrompido, 40% teve despertar precoce pela manhã, 38% teve sono não reparador, 31% teve despertares noturnos e 18% apresentou dificuldade em iniciar o sono. E a insônia trazia como consequência mais fadiga diurna do que sonolência diurna excessiva. A principal causa de sono reduzido e fragmentado em pacientes com doença de Parkinson é a gravidade dos sintomas da doença à noite. A rigidez e a ausência de movimentos causam pouca mobilidade noturna, que se manifestam com dificuldades de virar na cama ou de sair da mesma. E esta situação pode ser extremamente estressante para pacientes que urinam várias vezes à noite e precisam levantar várias vezes por conta disso. A concentração constante e estável de uma droga dopaminérgica no sangue durante a noite, como o patch de rotigotina ou o ropinirole de liberação lenta, melhora a qualidade do sono nestes pacientes pela melhora da mobilidade e pelo sono mais contínuo. Pacientes com doença de Parkinson que também apresentam demência podem apresentar despertares confusionais e alucinações visuais, que levam à fragmentação do sono e sono não reparador.

Os pacientes com doença de Parkinson também têm uma tendência de apresentar um avanço de fase do sono (dormir muito cedo e acordar muito cedo). Isto pode estar correlacionado com a coexistência de depressão, demência, redução da amplitude de secreção da melatonina, redução dos níveis de melatonina circulante, aumento do cortisol ou expressão genética alterada do relógio biológico.

A sonolência excessiva diurna manifesta-se como um estado de sonolência contínua e persistente ou como episódios de sono súbitos (ataques de sono). Os principais fatores causadores de sonolência excessiva diurna persistente são a própria patologia da doença e o efeito sedativo das drogas dopaminérgicas usadas para os sintomas do parkinsonismo. O desenvolvimento de sonolência excessiva diurna persistente pode estar relacionada à perda celular progressiva nos circuitos cerebrais dopaminérgicos e não dopaminérgicos envolvidos nos mecanismos moduladores do sono. O efeito sedativo de todas as classes de medicamentos dopaminérgicos é independente da duração e gravidade da doença. Está associada a baixas doses de levodopa e a altas doses dos agonistas dopaminérgicos. Há um subgrupo de pacientes com sonolência excessiva e doença de Parkinson cujo Teste de latências múltiplas do sono (para avaliar de forma objetiva a presença de sonolência excessiva) foi semelhante ao de pacientes portadores de Narcolepsia (doença caracterizada por ataques súbitos de sonolência). Num grupo aleatório de pacientes com doença de Parkinson, sua autópsia mostrou uma perda de células cerebrais produtoras de hipocretina no hipotálamo, que é um marcador da Narcolepsia. Na doença de Parkinson, porém, os níveis de hipocretina no líquido que envolve o cérebro são normais, e a cataplexia (perda súbita do tônus muscular), que é um sintoma característico da Narcolepsia, não ocorre. Os ataques de sono são menos comuns do que a sonolência persistente. São considerado o resultado de um efeito da classe de medicamentos dopaminérgicos, porque estão associados com o uso de praticamente todas as drogas dopaminérgicas (levodopa e agonistas dopaminérgicos). Os pacientes com doença de Parkinson e sonolência excessiva também devem realizar a polissonografia para identificar ou não a presença de apnéia obstrutiva do sono. Porém, interessantemente, alguns pacientes com doença de Parkinson e índice de apnéia e hipopnéia elevado podem não apresentar sintomas típicos de apnéia obstrutiva do sono, como sonolência diurna excessiva, cansaço e sono não reparador.

O distúrbio comportamental do sono REM é uma parassonia que ocorre em cerca de 40 a 50% dos pacientes. Está mais associado a um subgrupo de pacientes com doença de Parkinson caracterizados por idade avançada, sexo masculino, parkinsonismo de longa duração, com mais rigidez e lentidão do que tremor, com quedas, sensação de “congelamento”, distúrbio de controle dos impulsos e declínio cognitivo.

A síndrome das pernas inquietas (SPI) é um distúrbio sensitivo-motor caracterizado pela urgência em mexer as pernas causada por sensações desagradáveis que começam durante períodos de inatividade à noite e que aliviam com o movimento. Os pacientes com SPI sem causa conhecida respondem muito bem às drogas dopaminérgicas, o que sugere uma correlação com a doença de Parkinson, mas esta associação ainda é controversa. Na maioria dos pacientes com doença de Parkinson que também têm SPI, o parkinsonismo precede a SPI, a idade de início da SPI é avançada, é de mais leve intensidade e a sua história familiar é ausente.

Os movimentos periódicos dos membros do sono (MPMS) são movimentos repetitivos e estereotipados das pernas que duram de 0.5 a 5 segundos e são separados por intervalos de 5 a 90 segundos. A ocorrência dos MPMS pode estar relacionada ao prejuízo da função dopaminérgica central porque sua frequência tende a diminuir com o uso de medicamentos dopaminérgicos. Mas a maioria dos estudos mostram que os MPMS ocorrem na doença de Parkinson, porém não são mais frequentes do que na população geral.

Tratamento: Terapia cognitivo-comportamental, fototerapia e várias drogas usadas ao deitar (eszopiclona, doxepina, trazodona, melatonina, e quetiapina) podem ser eficazes nos pacientes com doença de Parkinson e insônia de início de noite. Em pacientes com doença de Parkinson avançada, o tratamento com estimulação elétrica subtalâmica bilateral melhora a sensação subjetiva da qualidade do sono provavelmente devido a uma maior mobilidade noturna graças à melhora na rigidez e lentidão. Indivíduos com distúrbio do ritmo circadiano podem receber melatonina na hora de ir para a cama, além de medidas de higiene do sono. Estas medidas incluem esquematizar horários regulares de ir para a cama e de acordar, consolidação do sono durante a noite eliminando o tempo acordado na cama, evitando longas sonecas durante o dia e promovendo atividades diurnas. Se a sonolência excessiva diurna persistente e os ataques de sono podem estar relacionados à introdução ou ao aumento da dose de uma medicação dopaminérgica, pode ser útil reduzir a dose, descontinuar a droga ou trocar para outro agente dopaminérgico. O tratamento da sonolência excessiva diurna também inclui a administração de medicamentos promotores da vigília, como o modafinil e o oxibato de sódio. Pacientes com doença de Parkinson e apnéia obstrutiva do sono causando sonolência diurna excessiva, o CPAP está indicado. Por razões desconhecidas o distúrbio comportamental do sono REM responde ao clonazepam (0,5-2,0) mg e possivelmente à melatonina (3-12) mg na hora de deitar. Se a síndrome das pernas inquietas for incômoda ou impedir o paciente com doença de Parkinson de dormir, a dose de final de tarde dos agentes dopaminérgicos pode ser aumentada ou uma formulação de duração prolongada pode ser prescrita. Alternativamente, outras drogas não dopaminérgicas que são eficazes para a síndrome das pernas inquietas, como a gabapentina, a gabapentina enacarbil, pregabalina e a oxicodona podem ser usadas.

Sono e doença de Alzheimer

É a doença neurodegenerativa mais comum e á caracterizada pela perda neuronal e pelo depósito de beta amiloide e emaranhados neurofibrilares no hipocampo e córtex, o que resulta em prejuízo cognitivo. Está sob debate se o sono de duração reduzida e se a apnéia obstrutiva do sono na população geral são fatores de risco para a doença de Alzheimer.

Os distúrbios do sono são comuns, afetando mais de 45% dos pacientes. O problema de sono mais comum é uma tendência exagerada de avançar de fase, caracterizada por cochilos frequentes durante o dia, dificuldades de dormir à noite, fragmentação do sono noturno e despertar precoce pela manhã. Este padrão é similar porém mais severo do que os vistos nos idosos e podem estar relacionados, em parte, à degeneração do núcleo supraquiasmático, resultando em alterações no ritmo de secreção da melatonina. Em casos extremos, os pacientes apresentam a síndrome do sol se pondo, que é caracterizada por agitação, confusão e agressividade nos momentos escuros do final da tarde e à noite. No meio da noite os pacientes podem apresentar despertar confusional, podem vaguear e apresentar agitação. O distúrbio comportamental do sono REM é raro. A frequência de apnéia obstrutiva do sono é alta, afetando entre 40 a 70% e pode agravar a disfunção cognitiva na doença de Alzheimer. Vários medicamentos podem ser comumente usados para melhora o sono, como a melatonina, benzodiazepínicos, antidepressivos sedativos e neurolépticos atípicos (Ex.: quetiapina).

Referências:

1. Iranzo, Alex MD – Sleep in Neurodegenerative Diseases. Sleep Med Clin 11 (2016) 1-18.


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