A Hanseníase é causada pelo bacilo Mycobacterium Leprae (M. Leprae) e corresponde à principal causa infecciosa de neuropatia periférica (ou doença dos nervos).
Por ser uma doença possível de tratamento, são fundamentais o reconhecimento e a avaliação precoces, a fim de evitar incapacidades físicas permanentes.
Seus números permanecem elevados no Brasil, sendo o segundo país mais afetado do mundo.
Esta doença acomete principalmente a pele e os nervos periféricos. Quando há predominância do comprometimento neurológico sem as clássicas lesões dermatológicas, o diagnóstico é muitas vezes retardado.
O M. leprae é transmitido principalmente pela via respiratória. Após longo e íntimo período de contato, o bacilo é capaz de se ligar às células de epitélio nasal. A partir dessas células, ele entra na corrente sanguínea e migra para locais com melhor ambiente para sua proliferação, como os nervos periféricos. O seu período de incubação pode durar, em média, de 3 a 5 anos. Nessa fase, ele não é visível como um sinal de infecção, podendo evoluir para a expressão clínica ou para a cura espontânea, dependendo de fatores de resistência do sistema imune (de defesa).
Os indivíduos com hanseníase cujo quadro evolui para a expressão clínica da doença podem apresentar diferentes formas clinicas: desde a forma indeterminada, que pode evoluir para cura espontânea em 90% dos casos, até uma forma com presença de poucos bacilos e marcada resistência imunológica (forma tuberculóide), ou outra forma com muitos bacilos pela imunidade mediada por células de defesa defeituosas (forma lepromatosa), esta última mais grave.
Na pele, as alterações da hanseníase podem variar desde a presença de uma mancha pálida pouco definida, que pode curar espontaneamente, até o comprometimento de toda a pele.
Nos nervos, a apresentação também é bastante variada. Pode ser restrita ao acometimento de um único nervo, até o acometimento de difuso. Na neurite (inflamação no nervo) ou na neuropatia silenciosa (sem inflamação) há um quadro de disfunção da sensibilidade, ou da sensibilidade e da força. Na neurite há espessamento e dor à palpação do nervo. O comprometimento é inicialmente primitivo e envolve as fibras nervosas de pequeno calibre (para dor e temperatura), levando a perda da sensibilidade para detectar frio ou quente, e para a dor. Se o processo de lesão do nervo não for interrompido, haverá comprometimento das fibras de médio e grosso calibre, com alteração da sensibilidade tátil e fraqueza muscular, que pode resultar em deformidades. Pode haver precocemente envolvimento do sistema nervoso autônomo, levando à perda de pêlos, alteração da cor da pele e ressecamento da mesma.
Os pacientes com poucos bacilos têm envolvimento neurológico mais restrito, entretanto com destruição mais intensa dos nervos comprometidos pela resposta imune, muitas vezes sob a forma de inflamação do nervo. O quadro dos pacientes com muitos bacilos evolui para acometimento neurológico mais extenso, mas sem dor. A evolução é mais lentamente progressiva, com predomínio de degeneração do nervo ou da neuropatia silenciosa.
A forma neural pura é uma apresentação clínica mais rara, com prevalência entre 1 a 16% dos casos. Neste caso há comprometimento dos nervos sem lesões cutâneas. Os pacientes têm poucos bacilos e podem se apresentar com acometimento de vários nervos com distribuição assimétrica, com evolução mais lentamente progressiva e sem inflamação do nervo. O acometimento inicial é mais sensitivo e pode haver espessamento do nervo.
O diagnóstico da hanseníase é confirmado a partir da biópsia das lesões de pele ou do nervo (nos casos da forma neural pura) e/ou demonstração da presença de bacilos (este último a partir da linfa coletada dos lóbulos da orelha, dos cotovelos e da lesão da pele). Outros exames podem auxiliar ou definir o diagnóstico, como a intradermorreação de mitsuda, a sorologia (anticorpos anti-PGL-1) e o PCR.
A eletroneuromiografia é um importante exame complementar para avaliar a neuropatia periférica de fibras de médio e grosso calibre. Serve para avaliar a extensão, a distribuição, a gravidade e a evolução da lesão. É fundamental para avaliar pacientes com suspeita da forma neural pura e para selecionar o nervo sensitivo para biópsia. É importante também para detectar inflamação do nervo.
A ultrassonografia de alta resolução do nervo periférico documenta as anormalidades anatômicas do nervo, como espessamento, assimetria ou inflamação.
O tratamento especifico da hanseníase é feito pelos seguintes medicamentos: rifampicina, dapsona e clofazimina. São admininstrados de forma associada e por meio de um esquema padrão, de acordo com a classificação do paciente em poucos bacilos ou muitos bacilos. O tratamento torna o bacilo inviável, evitando a evolução da doença, o que previne incapacidades e deformidades. Também é fundamental para interromper transmissão da doença, já que o bacilo inviável não é capaz de infectar pessoas.
Fonte: Jardim M, de Freitas MRG. Neuropatia na hanseníase. In: Academia Brasileira de Neurologia; Nitrini R, Soares CN, Zanoteli E, Coelho FMS, Prado GF, Silva GS, Della Coletta M, organizadores. PRONEURO Programa de Atualização em Neurologia: Ciclo 1. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2020, 11-44.
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