O sono REM, traduzindo, sono de movimento rápido dos olhos é uma das fases que compõem o sono noturno. Ele é também chamado de sono paradoxal porque é considerado um sono profundo, mas que é composto de sinais de ativação de nosso corpo: a respiração fica mais intensa, os batimentos cardíacos aceleram, os olhos movimentam-se mais rapidamente e a atividade cerebral se intensifica na forma de sonhos, que são bem mais frequentes nesta fase do sono. E uma das características fundamentais do sono REM é a de ser acompanhado de atonia, isto é, da ausência de tônus muscular.
Isto quer dizer que, apesar da atividade cerebral intensa, ela não se manifesta na forma de movimentos com o corpo. Nesta fase do sono, o corpo deve se manter imóvel.
Porém, em alguns indivíduos, não é isso que ocorre. O sono REM passa a se apresentar com sonhos vívidos, em que o conteúdo dos sonhos passa a ser “encenado” na realidade. E isto ocorre porque a atonia, ou ausência de tônus, que caracteriza esta fase do sono, não está mais presente. Pelo fato do tônus muscular apresentar-se normal, o indivíduo consegue mover-se normalmente nesta fase do sono: é o sono REM sem atonia.
O nome desta doença do sono é distúrbio comportamental do sono REM (DCSR) e é considerado uma parassonia do sono REM. Mas o que é uma parassonia? Parassonias são distúrbios do sono caracterizados por comportamentos anormais durante o sono.
A encenação dos sonhos varia em gravidade, desde movimentos discretos com as mãos até golpes violentos, socos e chutes. Pode haver também vocalização dos sonhos, em que o doente fala em tom de ameaça, grita e xinga muito. Os pacientes geralmente procuram atendimento médico preocupados com danos mais graves para si próprio ou para seu(sua) companheiro(a). Como os parceiros de cama são frequentemente o alvo da encenação de sonhos violentos, o DCR tem implicações forenses, com pacientes ocasionalmente presos por agressão doméstica.
Em casos de ocorrência espontânea, o DCR pode anteceder uma doença neurodegenerativa caracterizada por depósitos de uma proteína no cérebro, conhecida como alfa-sinucleína. Assim, muitos pacientes com DCR acabará por demonstrar, alguns meses a décadas após, sinais e sintomas da doença de Parkinson, ou um distúrbio relacionado (por exemplo, atrofia de múltiplos sistemas ou demência com corpos de Lewy). Antes do surgimento da síndrome parkinsoniana, os pacientes podem ter também anosmia (ou perda do olfato) e constipação, consistentes com um distúrbio neurológico iminente.
A prevalência do DCR é de aproximadamente 0,5 a 1% na população geral e de aproximadamente 2% em adultos mais velhos, mas a maioria dos casos não é reconhecida. Entre os adultos mais jovens (menor que 40 anos) o DCR ocorre mais frequentemente associado ao uso de medicamentos antidepressivos ou à outra doença do sono chamada Narcolepsia. Cerca de 50 % dos pacientes com Narcolepsia apresentam também DCR. O DCR é raro em crianças, onde a maioria dos casos de comportamento anormal durante o sono está relacionada à parassonia do sono não REM, tendo como exemplos o sonambulismo, o terror noturno e o despertar confusional. Nas parassonias não REM costuma haver uma história desde a infância de atividades prolongadas, que não podem ser lembradas pelo paciente, complexas (atividades mais elaboradas como arrumar a cama, pentear o cabelo) e não violentas que emanam da primeira metade do período de sono (quando predomina o sono não REM mais profundo). Por ser um sinal precoce destas doenças, o DCR é comum entre pacientes com doença de Parkinson (33 a 50 por cento), Atrofia de múltiplos sistemas (80 a 95 por cento) e demência com corpos de Lewy (80 por cento). Estas são as principais causas de DCR.
O DCR tem uma forte predominância no sexo masculino (uma proporção de 9 homens para 1 mulher). As mulheres muitas vezes têm menos encenações de sonhos prejudiciais e, portanto, são menos propensas a receber atenção médica.
A supressão fisiológica normal da atividade motora durante o sono REM é o resultado cumulativo de vários circuitos neuronais que se originam predominantemente na ponte e terminam nos neurônios motores da medula espinhal. Embora a lesão exata que causa DCR seja desconhecida, as evidências sugerem que, tanto no distúrbio comportamental do sono REM espontâneo ou induzido por medicação, a perda de atonia do sono REM está relacionada à disfunção do complexo subcoeruleus na ponte. Na narcolepsia, doença hipotalâmica, ocorre a falha em suprimir a atividade motora relacionada ao sono REM. Nesses casos, a disfunção no neurotransmissor orexina pode precipitar DCR. A orexina, secretada pelo hipotálamo lateral, promove a estabilidade do estado e evita a transição frequente entre os estados (isto é, vigília, não REM, REM). A deficiência de orexina associada à narcolepsia leva à instabilidade REM-vigília, que promove a atividade motora semelhante à vigília em paralelo com os sonhos do estágio REM. Outras lesões estruturais (de causas vasculares, desmielinizantes, neoplásicas ou traumáticas) que acometem a ponte também podem causar DCR. As principais classes de medicamentos que podem causar DCR são os antidepressivos. Raramente pode ser causado também pelo uso de betabloqueadores, inibidores da colinesterase, benzodiazepínicos, barbitúricos, e abstinência de álcool.
Os movimentos do DCR são de curta duração (menos de 60 segundos) e parecem intencionais, como lançar uma bola ou se debater para se proteger. Lesões relacionadas ao sono podem surgir ao pular da cama ou bater em um parceiro. Os sintomas ocorrem predominantemente na segunda metade do período de sono, quando o sono REM é mais prevalente. A frequência dos eventos varia de todas as noites a anual. Com uma encenação de sonhos mais vigorosa, eles normalmente acordam por um breve período de tempo e depois caem no sono. O conteúdo do sonho é freqüentemente lembrado no momento do despertar e é tipicamente desagradável (por exemplo, sonhar em ser atacado ou perseguido, discutir com alguém ou cair de um penhasco). O conteúdo dos sonhos em pacientes com DCR não é mais violento do que em indivíduos normais, apesar dos comportamentos violentos.
Os sintomas do DCR geralmente começam no final da idade adulta. A idade média do diagnóstico é de 60 a 70 anos. Na maioria dos casos, o início dos sintomas é gradual e progressivo, com um atraso de vários anos entre o início dos sintomas e o diagnóstico.
A videopolissonografia em laboratório do sono é necessária para um diagnóstico definitivo de DCR. Mesmo quando o comportamento anormal não ocorre durante o estudo, o sono REM sem atonia (que é uma elevação do tônus motor durante o sono REM medida por eletromiografia no queixo e/ou nos membros) está caracteristicamente presente na leitura do exame, e é necessário para o diagnóstico. A polissonografia também é útil para excluir outras condições perturbadoras do sono (por exemplo, apnéia obstrutiva do sono, convulsões noturnas e movimentos periódicos dos membros do sono).
Quanto ao tratamento, deve ser garantido um ambiente seguro para dormir. Todos os pacientes com DCR e seus parceiros de cama devem ser aconselhados a modificar o ambiente de dormir para evitar lesões. Armas de fogo não devem ser acessíveis, e itens pontiagudos ou facilmente quebráveis (como lâmpadas) devem ser removidos da área de dormir. No caso de comportamentos vigorosos contínuos, é aconselhável dormir sozinho. Muitos pacientes recorrem ao uso de grades acolchoadas na cama ou dormir em sacos de dormir.
A melatonina é a terapia de primeira linha preferida em pacientes com comportamentos frequentes, perturbadores ou prejudiciais. Tende a ser melhor tolerado do que a terapia de primeira linha alternativa, o clonazepam. A melatonina é um hormônio produzido no nosso corpo e normalmente secretado pela glândula pineal em resposta à escuridão da noite, acompanhando os ritmos circadianos. Por um mecanismo incerto, a melatonina aumenta a atonia do sono REM e melhora os sintomas de DCR.
Se os comportamentos forem inadequadamente suprimidos com melatonina, o clonazepam em dose baixa é um complemento eficaz ou uma terapia alternativa.
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